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O pior cego

Não, não quero ver, por isso fujo para mundos meus de leitura, filmes, series e agora também de escrita.

O pior cego

Não, não quero ver, por isso fujo para mundos meus de leitura, filmes, series e agora também de escrita.

28.Mar.15

Tempo

     Na correria da vida não se olha para trás. Ideias surgem e ideias partem assim como tudo, a correr. Com pressa de chegar e com pressa de partir, não se fica.  Nunca se está parado, nunca se chega realmente a lado nenhum.

     Na pressa de viver, não se vive, morre-se. Sobrevive-se querendo viver e sonhando o que nunca se vive. Mas só de noite, que de dia esta-se demasiado ocupado a correr, a ir a algum sitio com alguém.

     Não há tempo para as pessoas. Não há tempo para o papel. Não há tempo para esperar por correio ou para viajar. Não há tempo. Por isso rimos com quem não conhecemos, escrevemos e lemos no computador e esperamos por prazeres instantâneos que nunca chegam a ser prazeres.

     Somos felizes sem saber que nunca o fomos. Somos tristes sem saber o que é a tristeza. Somos quem somos sem nunca chegarmos a ser ninguém. Tudo porque não temos tempo.

15.Mar.15

A árvore

     Numa enorme planície verdejante foi plantada uma árvore. Uma semente trazida pelo vento que ali conseguiu criar ténues raízes e começar o seu crescimento. Durante os primeiros anos cresceu alegremente ao sabor do sol imenso que era só dela. Pássaros passaram, pessoas sorriram ao ver o pequeno rebento no imenso campo e algumas até o regaram com esperança de o ver crescer.

     A árvore foi crescendo. Nasceram ramos onde alguns pássaros começaram a fazer ninhos e nesses ramos nasceram folhas que protegiam as pessoas do sol. Na primavera as suas flores adornavam os cabelos de várias raparigas e no verão os seus frutos sumarentos eram colhidos e saboreados por todo o tipo de pessoas e animais. Na sua sombra houve quem jurasse amor eterno com letras escritas na sua casca, houve também quem brincasse com as pedras das redondezas ou ainda quem a tentasse podar.

     Com o passar dos anos os diversos amores acabaram, deixando para trás apenas as cicatrizes que lhe enrijaram a casca. Todas as pedras que serviram de brincadeira formaram montes à sua volta e, até quem a tentou moldar, desistiu face à sua vontade de crescer. As planícies verdejantes da sua infância deram lugar a searas douradas e menos pessoas iam ao encontro de tal árvore. No meio do campo as suas marcas, a muralha de pedras que a rodeava e o profundo fosso criado por todos os pés que passaram por ai desencorajavam até os mais aventureiros.

     Actualmente, é pouca a companhia da árvore. Há pessoas a passar à volta dela e algumas olham, curiosas, mas nunca mais que o tempo estritamente necessário. E assim, na solidão, ela espera pelo dia em que aparecerá alguém que salte o fosso que a separa da humanidade. Talvez até quebre a muralha e a traga de volta para a vida.

08.Mar.15

À janela

     Abro a janela e deixo que o calor me toque. Está um lindo dia de primavera e esta sensação é óptima. Não há nuvens no céu, apenas um enorme sol que me aquece por fora e por dentro. Ouço os pássaros cantar e vejo-os voar de árvore em árvore na sua agitada felicidade. Ao longe, admiro duas borboletas brancas que voam por entre ramos, folhas e frutos maduros. Lá no alto também vai um avião, lentamente. Parece que não tem pressa, ali, a quilómetros do chão, a reflectir aquele sol imenso.

     Ai como era bom voar! Saltar da janela e poder ir em direcção ao sol, qual Ícaro renascido. Ir onde nunca fui e conhecer o que é para mim desconhecido. Descobrir o mundo sem pressa e sem preocupações com os buracos na estrada, com o preço do petróleo ou com os tempos de espera nos aeroportos.

     À janela dou-me ao luxo de sonhar durante breves minutos, mas a realidade não é para sonhadores. Fecho a janela e volto ao estudo com o terrível peso de deixar para trás a felicidade, mas com a leveza de trazer sempre comigo um pedaço de sonho.

03.Mar.15

Os postais

     Neste mundo de atarefada correria um jovem compra postais na papelaria da esquina. Sim, um jovem! Será provavelmente alguém de passagem. Deve querer uma recordação deste local para nunca mais voltar. Certamente terá feito essa paragem para se poder gabar aos amigos e familiares dos sítios por onde passou. Mal paga os postais sai em passo apressado. Provavelmente foi dessa forma que passou pelos locais retratados nos postais, se é que alguma vez os viu. Entra no metro e dai vai para casa só a uma estação de distância (mas ele não era um turista?!) sempre sem abrandar o andamento. Pousa os postais na escrivaninha do quarto e liga o computador. Mal este inicia tecla rapidamente a palavra passe e movimenta-se pelo mundo virtual a uma velocidade que só alguém tão novo pode ousar (será que se lembra sequer dos postais no canto da secretária?). Entra no site descoberto recentemente e procura avidamente por algo.

     Pára! Descobriu o que procurava! Eis uma morada e uma pessoa. Sim, uma pessoa real, daquelas de carne e osso. Perde vários minutos a descobrir tudo aquilo que pode sobre a pessoa. Passa várias vezes os olhos, lentamente, pelas palavras que de alguma forma descrevem o desconhecido. Agarra numa folha e numa caneta e começa a escrever, medindo cada palavra. Quando ao fim de vários minutos se dá por contente com o que escreveu, agarra-se aos postais e escolhe aquele que julga ser o mais apropriado. Com uma lentidão anormal copia cuidadosamente, palavra por palavra,  a morada bem como o texto planeado para o postal escolhido. Ao terminar repete novamente o processo. Novo desconhecido, novo país, nova pessoa para descobrir através de poucas palavras e novo texto por escrever. Volta ao rascunho, busca novas palavras, novo assunto com um mesmo objectivo, fazer a outra pessoa sorrir.

     Finalizado o segundo postal apercebe-se das horas. Os correios fecham dentro de poucos minutos. Apressa-se novamente. Pega nos postais e corre pelas ruas. Não tem tempo a perder. Ao chegar, apesar de ainda ter tempo, sente um nervosismo crescer. Não sabe se fez tudo certo, se vão perceber a sua letra, se os postais vão chegar aos destinos. É a sua vez de ser atendido: "Este é para a Rússia e este para a Alemanha, se faz favor". Paga e sai. Novamente calmo e com um largo sorriso volta para casa. Agora é só esperar pelas respostas.